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Análise

Claudia Guadal Zuloaga Thomass

A Metodologia Feminista: A importância de sua aplicação no Direito

- Além dos métodos legalistas tradicionais, este ensaio pretende abordar a importância de incorporar o feminismo na metodologia jurídica.

A Metodologia Feminista: A importância de sua aplicação no Direito

Em geral, os métodos jurídicos são considerados ferramentas básicas utilizadas por advogados, pesquisadores e juristas para resolver problemas que surgem na sociedade. Como disciplina, a metodologia jurídica permite sistematizar, definir e elaborar técnicas e/ou procedimentos de produção de conhecimento; Sua função é então orientar o desenvolvimento da pesquisa, fornecendo ferramentas práticas que facilitam a tarefa do pesquisador.

Para além dos métodos legalistas tradicionais, este ensaio tem como objetivo abordar a importância da incorporação do feminismo à metodologia jurídica, ou seja, pretende justificar porque o método feminista é útil e necessário no direito. Portanto, o texto será dividido em quatro seções: a) visão feminista, b) feminismo no direito, c) importância de uma metodologia jurídica feminista e d) metodologia jurídica feminista em nível internacional.

a) Visão feminista

O feminismo pode ser concebido a partir de três significados: como ideia, como movimento social e como movimento político. Como ideia, suas origens são antigas, os ideais remontam a sociedades antigas como Egito, Grécia e Roma[1]. Porém, o feminismo como ideia de reivindicação dos direitos civis se concretizou até o século XVIII, quando Christine de Pizan publicou o livro La Ciudad de las Damas.

É assim que, a partir de um desenvolvimento histórico, se estrutura um quadro teórico feminista que terá início formalmente no século XVIII com as lutas sociais que ocorrem no contexto da Revolução Industrial e da Revolução Francesa. Posteriormente, o feminismo se formará em três “ondas” que serão produto do cansaço de milhões de mulheres no mundo que reagiram ao sistema patriarcal[2] que oprimiu, violou e discriminou eles ao longo da história.

Podemos falar formalmente de três ondas de feminismo, embora existam vários autores como Nuria Varela ou Rosa Cobo Bedia, que consideram que já estamos a entrar numa quarta onda, caracterizada por uma série de movimentos sociais que vão mudar o sistema, e que vão até criticar os conceitos feministas que foram impostos e que só favorecem quem pertence a uma determinada classe, classe e grupo privilegiado. Segundo Carmen Castells, o feminismo é entendido como:

Em relação a todas essas pessoas e grupos, reflexões e ações destinadas a acabar com a subordinação, a desigualdade e a opressão das mulheres e, portanto, alcançar a sua emancipação e a construção de uma sociedade em que não haja mais espaço para a discriminação baseada na razão do sexo e gênero.[3]

Em geral, conceber o feminismo como ferramenta metodológica consiste em “colocar óculos ultravioleta”[4] e olhar o mundo a partir de uma perspectiva diferente, onde a ordem de classe dominada pelo patriarcado é criticada. O feminismo não deve ser confundido com uma visão exclusiva das mulheres ou com uma perspectiva de género, pois embora estas duas tenham origem no feminismo, incluem distinções entre elas. Por um lado, a visão das mulheres apenas as considera na sua análise, enquanto a perspectiva de género inclui a visão interseccional que contempla diversas categorias como: sexo, género, raça, nacionalidade, religião, entre outras.

Nas palavras de Nuria Varela “o feminismo quer dividir o mundo entre mulheres e homens e mudar a ordem estabelecida. Por isso é incômodo e incômodo para muita gente (...) o feminismo luta contra a intolerância, o preconceito e os abusos”.[5] Em outras palavras, o feminismo tem o propósito de tornar visíveis todos aqueles Acções e condições estruturais que determinam o sistema social e que impõem papéis tanto aos homens como às mulheres para o seu funcionamento.

b) Feminismo no direito

A teoria feminista, tão desenvolvida no nosso tempo, ensinou-nos que nenhum fenómeno social pode ser compreendido se não for analisado a partir de uma perspectiva de género. Nesse sentido, para falar de direito na perspectiva de gênero, seria necessário combater os argumentos estereotipados e indiferentes que impedem a concretização do direito à igualdade substantiva, em que as diferenças e categorias de pessoas sejam reconhecidas para resolver qualquer problema. fenômeno social que ocorre através do campo jurídico.

Uma primeira crítica que se faz ao feminismo do direito parte de uma concepção de homens e mulheres como essencialmente iguais, com as mesmas capacidades e habilidades. Postula que o problema tem sido que as mulheres não tiveram a capacidade jurídica e a possibilidade material para o provar. Deste ponto de vista, as acusações de androcentrismo que são feitas à lei são relativamente fáceis de corrigir, uma vez que não questionam os seus postulados básicos. É a exclusão das mulheres dos espaços de poder, tradicionalmente e historicamente masculinos, que deve ser revertida.[6]

O objetivo do feminismo no direito é tornar visíveis todas aquelas práticas androcêntricas, sexistas e misóginas que são impostas tanto na sociedade como no direito, que tornam impossível alcançar a igualdade substantiva[7[]]( # _ftn10) entre homens e mulheres. Trata-se de criticar todo o sistema a partir da desconstrução de ideias e pensamentos estabelecidos pelo sexismo e que reforçam a discriminação, os estereótipos e os papéis de género.

Da corrente feminista, não se busca uma igualdade geral e/ou absoluta entre homens e mulheres perante a lei porque a igualdade é enviesada pela experiência e interesses masculinos. Pelo contrário, pretende-se evidenciar as diferenças que existem entre eles, para posteriormente realizar uma análise jurídica a partir dessas diferenças, ou seja, devem ser tidas em consideração diversas categorias relevantes que podem influenciar a descrição de um fenómeno social.

O feminismo não confere às mulheres a mesma capacidade e os mesmos direitos que os homens, pelo contrário, com base nas suas diferenças, questiona todas as estruturas e ideologias que mantiveram os homens como eixo central da experiência humana. Especificamente, a proposta é desconstruir as visões existentes, implementando uma visão feminista decolonial que questione os aspectos mais profundos da sociedade.

C) Importância de uma metodologia jurídica feminista

Agora, por que a metodologia jurídica feminista é necessária? Em geral, a metodologia permite sistematizar, definir e desenvolver técnicas e/ou procedimentos de produção de conhecimento; Então, a metodologia jurídica feminista permite incorporar as ideologias do feminismo no campo jurídico. Questiona os sistemas que foram criados a partir da sociedade patriarcal, tornando visível e gerando consciência da opressão de subordinação que as mulheres vivenciam na sociedade e dentro da lei.

Uma pessoa pode ser feminista adotando uma abordagem que questione todas as instituições que constroem o patriarcado, porém, se quiser realizar uma pesquisa que aborde um fenômeno jurídico e/ou social, é necessário aderir a uma metodologia, caso contrário, será pode não atingir os seus objectivos. Em outras palavras, ser feminista não significa necessariamente que o objeto ou fenômeno jurídico a ser analisado seja realizado a partir de uma perspectiva de gênero.

A metodologia jurídica feminista não é complicada, envolve os passos a seguir para incorporar o feminismo na área jurídica. Dessa forma, a jurista feminista Alda Facio propõe seis passos[8] para sua correta aplicação:

  1. Antes de abordar o fenómeno a analisar, é necessário estar consciente da subordinação, discriminação e opressão que as mulheres experimentam em relação aos homens.
  2. Identificar no texto legal as diferentes formas como o sexismo, o androcentrismo, o machismo, a misoginia e a insensibilidade de género são apresentados.
  3. Identifique se a mulher está presente ou invisível no texto.
  4. Identificar a concepção ou estereótipo da mulher que serve de sustento no texto.
  5. Analisar o texto tendo em conta a influência e os efeitos sobre as restantes componentes do fenómeno jurídico
  6. Expandir e aprofundar a consciência do que é o sexismo e coletivizá-lo.

Se estas seis etapas forem levadas em conta dentro do fenômeno jurídico, uma análise feminista mais específica poderá ser realizada dentro do fenômeno a ser analisado. No entanto, a metodologia apresentada não corresponde a casos específicos que se centram numa solução específica de conflitos ou conflitos, trata-se antes de uma análise em que geralmente fornecem ferramentas para aplicar a visão feminista no direito.

Num sistema patriarcal, não é surpreendente que o legislador, o jurista e o juiz tenham em mente o homem/homem quando promulgam, aplicam ou interpretam a lei. Portanto, ao aplicar uma metodologia feminista no direito, busca-se alcançar a neutralidade, na qual o tratamento diferenciado é abordado de forma objetiva e fundamentada[9].

D) A metodologia jurídica feminista em nível internacional

No nível internacional, a metodologia jurídica feminista tornou-se importante para analisar os diferentes fenômenos sociais que ocorreram nos últimos anos. Instituições e Organizações Internacionais como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), a Corte Internacional de Direitos Humanos (CIDH) e a Organização das Nações Unidas (ONU), adotaram esta metodologia em suas resoluções, análises e recomendações; o que é um grande avanço em termos de género, já que anteriormente estas instituições não tinham consciência do assunto.

Alguns dos Casos do Tribunal I/A HR nos quais a metodologia jurídica feminista foi integrada são os seguintes:

  • Caso Penitenciária Miguel Castro Castro Vs. Peru.
  • Caso González e outros (“Campo Algodonero”) Vs. México.
  • Caso I.V. x Bolívia.
  • Caso Atala Riffo e Meninas Vs. Chile.
  • Caso Artavia Murillo e outros (Fertilização in vitro) Vs. Costa Rica.

O acórdão Campo Algodonero é uma referência internacional sobre como a perspectiva de género deve ser incluída na lei; as disposições nele contidas são uma referência não só para o México, mas para todos os Estados que fazem parte do Sistema Interamericano. Da mesma forma, na referida sentença, a Corte Interamericana de Direitos Humanos conseguiu determinar quais são os parâmetros para determinar, prevenir, investigar, processar e punir a violência de gênero. Ou seja, estabelece diretrizes para identificar quando estamos diante de casos cujo motivo é a violência de gênero.

Conclusões

A aplicação do feminismo no direito implica integrar uma perspectiva de género na análise dos fenómenos sociais. Trata-se de combater os argumentos estereotipados e indiferentes que impedem a concretização do direito à igualdade substantiva, em que as diferenças e categorias de pessoas são reconhecidas independentemente do seu sexo ou género. O feminismo não pretende generalizar ou conceder os mesmos direitos a homens e mulheres, mas sim destacar e tornar visíveis os factores que podem influenciar uma análise mais objectiva.

É essencial incorporar o feminismo na lei para eliminar todas as dicotomias que existem em questões jurídicas em torno de homens e mulheres. A intenção é colocar “óculos ultravioleta” e questionar os textos que discriminam e invisibilizam as pessoas por serem mulheres ou pertencerem a determinada categoria. Por isso, adotar uma metodologia jurídica feminista é de grande relevância para que, passo a passo, o jurista ou pesquisadora tome consciência da opressão e discriminação sofrida pelas mulheres num sistema patriarcal, sexista, misógino e androcêntrico.

A metodologia jurídica feminista tem por objetivo fornecer à pesquisadora ferramentas para sistematizar, definir e elaborar técnicas nas quais o sistema patriarcal imerso em fenômenos sociais e jurídicos seja questionado e desconstruído. Mesmo que você seja feminista e tenha conhecimento das teorias, é fundamental seguir a metodologia para ter maior objetividade na análise, e evitar desvios que não incluam a visão feminista.

No nível nacional e internacional, a metodologia jurídica feminista tem sido utilizada como ferramenta para resolver fenômenos sociais e até mesmo controvérsias jurídicas como o caso de sentenças relevantes da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Fontes

    [1] Véase: Moreno, Rebeca (coord..), Feminismos La Historia, España, Akai, 2019, pp. 30-42.

    [2] El patriarcado es la manifestación e institucionalización del dominio masculino sobre las mujeres y los / las niños/ as de la familia, dominio que se extiende a la sociedad en general. Implica que los varones tienen poder en todas las instituciones importantes de la sociedad y que se priva a las mujeres del acceso a las mismas pero no implica que las mujeres no tengan ningún tipo de poder, ni de derechos, influencias o recursos. Facio, Alda y Fries, Lorena, “Feminismo, género y patriarcado”, Academia. Revista sobre Enseñanza del Derecho de Buenos Aires, Argentina, año 3, número 6, primavera 2005, p. 280.

    [3] Facio, Alda y Fries, Lorena, Op. Cit. p. 263

    [4] Es una metáfora que significa que las personas que den cuenta de las situaciones de discriminación que sufren las mujeres y del sexismo y el machismo que hay en la sociedad.

    [5] Varela, Nuria y Santolaya, Antonia, Feminismo para principiantes, España, Plena Inclusión, 2019, p. 13.

    [6] Facio, Alda, Con lentes de género se ve otra justicia, Colombia, 2002, (en línea) URL: http://189.240.117.226/biblos-imdf/node/13500

    [7] La igualdad sustantiva se refiere al ejercicio pleno de los derechos fundamentales y la capacidad de hacerlos efectivos.

    [8] Cfr. Facio, Alda, Metodología para el análisis de género en el fenómeno legal, https://www.agencianuba.com/equis/wp-content/uploads/2016/01/S_1_1.pdf

    [9] La Suprema Corte de Justicia ha establecido que para alcanzar el derecho a la igualdad es necesario realizar tratos diferenciados, siempre que estos sean objetivos y razonados. Véase: Suprema Corte de Justicia de la Nación, Protocolo para Juzgar con Perspectiva de Género, México, SCJN, 2013 pp. 157


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