Enciclopédia
Saúl Gopar Ensáztiga
O que é Diplomacia Local?
- A participação das cidades no cenário internacional é cada vez mais relevante, portanto, conhecer os elementos que compõem esse tipo de atividade torna-se necessário.
Desde a criação da primeira cadeira de Relações Internacionais em 1919, ministrada por Alfred Eckhard Zimmern,1 o Estado-Nação tem sido o objeto central de estudo desta disciplina acadêmica. No entanto, nos últimos 40 anos, as pesquisas sobre as interações entre as cidades e os governos que compõem alguns desses Estados Nacionais tornaram-se mais relevantes.
Essas interações têm sido denominadas de diferentes formas dentro das ciências sociais: paradiplomacia, diplomacia local, ação internacional de governos locais, cooperação descentralizada, entre outras. Assim, este trabalho visa definir brevemente o conceito de Diplomacia Local; sua origem, sua relação com o termo paradiplomacia, bem como características que a diferenciam de outras atividades governamentais, a fim de familiarizar o público com esse conceito.
Origem da Diplomacia Local
Como introdução, cabe destacar que um dos primeiros termos utilizados para descrever as relações entre os entes federativos é o termo "Paradiplomacia"; teve origem, segundo Rafael Velázquez Flores e Jorge Schiavon, de Yvo Duchacek e Panayotis Soldatos, em seus livros A Dimensão Territorial da Política: Dentro, Entre e Entre Nações e Federalismo e Relações Internacionais: O Papel das Unidades Subnacionais, respectivamente.2
Segundo Schiavon e Velázquez "essas obras foram desenvolvidas em um contexto em que os estados federados, especialmente os dos Estados Unidos, passaram a exigir uma maior participação nos assuntos internacionais após a crescente interdependência econômica no final da década .” dos anos 1970 e início dos anos 1980.”3
Aproximando-se de sua definição, temos:
Para Duchacek e Soldatos, a paradiplomacia consiste em contatos externos, atividades, processos e iniciativas entre governos não centrais (estados federados, províncias, cantões, ländes, etc.) , empresas privadas, organismos internacionais, entre outros. 4
Assim, como referido, este conceito procura definir a aproximação dos governos que constituem uma Nação, com entidades homólogas de outros países. Ressalte-se que, por muito tempo, o termo paradiplomacia vem sendo utilizado como um conceito que engloba essas interações, apesar de ter sido criticado por diversos autores, pois se comenta que o uso do nome "para" se refere a devendo ser exercida secundariamente, ou à margem, da diplomacia tradicional, quando no exercício dessas relações também podem ser realizadas ações que não necessariamente andam de mãos dadas com a política externa do país a que pertencem.5
A esse respeito, pode-se comentar que a paradiplomacia não substitui a diplomacia tradicional, pois em primeiro lugar e como já indicado, a paradiplomacia é exercida pelos governos locais (ou seja lá qual for o nome dependendo da organização territorial dos o país a que pertencem, referindo-se aos governos que fazem parte do Estado-Nação) e a diplomacia tradicional, por outro lado, é realizada pelos próprios países.
Outra característica da paradiplomacia é que ela não trata de questões de alta política ou alta política, como segurança nacional, defesa, acordos de livre comércio, entre outros; Por outro lado, a paradiplomacia trata de low Politics ou low policy, que inclui questões de proteção [ambiental] (https://cemeri.org/tema/energia-medioambiente/), atração de investimentos, turismo, intercâmbios culturais , entre outros.6
Definição de Diplomacia Local
Nos últimos anos, tem-se referido ao desuso do termo paradiplomacia, dando-se preferência ao termo “diplomacia local”.7 Prova disso são os diversos eventos que as autoridades mexicanas têm realizado para estimular participação de cidades mexicanas internacionalmente.8
Evento organizado pela Direção Geral de Coordenação Política do Ministério das Relações Exteriores do México, com o objetivo de divulgar as atividades internacionais das cidades mexicanas.
Embora se discuta o desuso do conceito de paradiplomacia no estudo das ciências sociais, é preciso comentar também que o conceito de diplomacia local carece das críticas que têm sido feitas à paradiplomacia e faz mais referência à atividade internacional (derivada da uso da palavra diplomacia) dos governos que estão localizados em um determinado território mas que não ocupam uma extensão como países (quando se usa o termo local).
Nesse sentido, uma definição do conceito de Diplomacia Local a que podemos nos referir é a seguinte: “aborda conceitualmente o conjunto de ações e relacionamentos implantados pelos governos locais em cenários internacionais”.9 Com isso, podemos encontrar semelhanças entre o conceito da Diplomacia Local e da paradiplomacia, apontando que ambas se referem ao mesmo fenômeno.
Características da Diplomacia Local
Como qualquer conceito, a diplomacia local possui características que fazem com que as ações governamentais se encaixem nesse termo. Neste escrito, resgataremos os fatores, atores, instrumentos e temas, que ajudarão a identificar as ações dos governos locais que podem ser classificadas como Diplomacia Local.
Quanto aos fatores, podem ser identificados fatores econômicos, culturais e políticos. Em relação aos fatores econômicos, “as autoridades locais buscam atrair investimentos estrangeiros, promover o turismo, identificar mercados internacionais para seus produtos locais e transferir tecnologia para impulsionar o desenvolvimento econômico de suas comunidades.”10
Para desenvolver projetos em seus territórios, os governos locais devem contar com recursos econômicos, concedidos na maioria das vezes pelo país do qual fazem parte. Porém, é possível que esses recursos não sejam concedidos em quantidade suficiente, uma vez que as necessidades da região não são tomadas com a mesma importância pela administração local, como pelas administrações superiores, com as quais os governos locais têm como um fator para realizar ações de diplomacia local para obtenção de recursos econômicos.
Nos fatores culturais, comenta-se que os governos locais realizam eventos culturais e artísticos, com perspectiva e imagem internacional, entendendo que a inclusão dessa variável é condição básica para se dar a conhecer além de suas fronteiras, pela atração turística, desenvolvimento econômico , melhoria da qualidade da educação e entretenimento de sua população, entre outras vantagens.11
Refere-se ainda que este tipo de atividades culturais são realizadas porque a relação com a diáspora dos governos locais é muito importante e, por isso, as autoridades querem manter uma ligação estreita com os seus conterrâneos no estrangeiro.12
Desta forma, constata-se que as ações de diplomacia local são realizadas atreladas à cultura, pois isso implica um fortalecimento da imagem do governo local, o que resulta em vantagens econômicas, para seus alunos, e para a população em geral.
Quanto ao fator político, nota-se que “as regiões buscam uma maior presença internacional para, em alguns casos, mostrar sua autonomia perante o governo central”. o influxo de ações internacionais, tais como “a) a personalidade do executivo local, b) a justaposição política, c) a capacidade econômica, ed) o profissionalismo administrativo”.14
Pelo exposto, observa-se que os elementos políticos que intervêm para a realização das atividades da diplomacia local, prendem-se com fatores meramente imputáveis à administração pública do governo em causa.
País.
O conceito também se refere ao fato de que o governo local pode se relacionar com atores governamentais, como governos federal, estaduais e municipais, poderes legislativos, poderes judiciários e organizações internacionais,15 bem como com atores privados, como organizações não-governamentais organizações, empresas privadas, grupos de empresas,16 universidades e centros de pesquisa.17
Em relação aos instrumentos utilizados pelos governos locais na realização da diplomacia local, os autores identificaram os seguintes: lobbying ou lobbying, participação em redes e fóruns internacionais, abertura de escritórios com enfoque internacional e assinatura de acordos interinstitucionais. Esses instrumentos são parte importante das estratégias que cada governo local desenvolve para atender aos objetivos traçados em matéria internacional.
Neste ponto, vale fazer um esclarecimento sobre os acordos interinstitucionais, pois “segundo a doutrina e o direito positivo vigentes, os governos locais não são sujeitos autônomos das relações internacionais, pois carecem de estatuto internacional reconhecido pelo direito das gentes”. 18 No entanto, cada Estado-nação concedeu diferentes capacidades jurídicas a seus governos locais para realizar acordos desse tipo, sem infringir o direito internacional e trazer benefícios para suas demarcações.
Exemplo disso é a Lei de Celebração de Tratados do México, promulgada em 1992. Esta Lei marca a diferença entre um tratado internacional, celebrado apenas entre o Governo dos Estados Unidos Mexicanos e um ou vários sujeitos de direito internacional lei e convênio interinstitucional, celebrado entre órgão descentralizado ou órgão da Administração Pública Federal, Estadual ou Municipal e um ou mais órgãos de governo estrangeiro ou organismo internacional.19
Relativamente aos assuntos em que se desenvolve a Diplomacia Local, importa referir que, para além de estas atividades serem exercidas sobre questões de baixo nível político, os governos locais só podem exercer ações que sejam permitidas pelo quadro legal do país a que se destinam. pertencer. Assim, os autores identificaram que os governos locais desenvolvem ações internacionais principalmente nos seguintes temas: comércio, investimento, turismo, ciência, tecnologia, saúde, segurança pública, esportes, meio ambiente, cultura, educação, formação de recursos humanos e migração.20
Prefeito do município de San Cristóbal de las Casas, Chiapas, durante a assinatura do Protocolo de Convênio e Amizade com o CAP do norte da Martinica, França.
Por fim, podemos citar um exemplo de Diplomacia Local realizada recentemente. Em fevereiro de 2021, foi celebrada a assinatura do Protocolo de Acordo e Amizade entre San Cristóbal de las Casas, Chiapas, México, com a Aglomeração de Comunas (CAP, por sua sigla em francês) do norte da Martinica, França, que visa desenvolver o projeto "Experiências de cooperação descentralizada de mitigação, adaptação e resiliência frente às Mudanças Climáticas na agricultura, habitação e turismo sustentável" e no qual participaram o Serviço de Cooperação do CAP Nord Martinica e o Gabinete de Relações Exteriores Multilaterais e Cooperação Internacional do Governo de San Cristóbal de Las Casas.21
Desta forma, podemos identificar que a ação concorda com os elementos da Diplomacia Local, já que os atores que a realizam são dois governos locais de países diferentes; são utilizados instrumentos como os escritórios internacionais e o acordo interinstitucional; os temas estão relacionados ao meio ambiente; e o fator político relacionado à profissionalização administrativa de ambas as partes está presente.
Fontes
1. María José Izquierdo Alberca, “100 años de estudio de Relaciones Internacionales”, Instituto Español de Estudios Estratégicos, (2019): p. 3. Recuperado el 22 de marzo de 2020. Recuperado de: http://www.ieee.es/Galerias/fichero/docs_informativos/2019/DIEEEI12_2019JOSIZQ-RelacionesIntles.pdf
2. Rafael Velázquez Flores y Jorge Alberto Schiavon Uriegas, “Las relaciones internacionales de los gobiernos locales: un acercamiento teórico-conceptual”, en Diplomacia local. Las relaciones internacionales de las entidades federativas mexicanas, coords. Consuelo Dávila, Jorge A. Schiavon y Rafael Velázquez Flores (México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2008): p. 27.
3. Ídem.
4. Yvo Duchacek y Panayotis Soldatos, Cit. pos. Rafael Velázquez Flores y Jorge Alberto Schiavon Uriegas, “Las relaciones internacionales de los gobiernos locales: un acercamiento teórico-conceptual”, en Diplomacia local. Las relaciones internacionales de las entidades federativas mexicanas, coords. Consuelo Dávila, Jorge A. Schiavon y Rafael Velázquez Flores (México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2008): p. 27.
5. Zidane Zeraoui, “Para entender la paradiplomacia”, Desafíos, (2016): 16. Recuperado el 22 de marzo. Recuperado de: https://revistas.urosario.edu.co/index.php/desafios/article/view/4470/3206
6. Rafael Velázquez Flores y Jorge Alberto Schiavon Uriegas, Op Cit. 27.
7. Roberto Domínguez y Teresa del Socorro Pérez, “Comparando las relaciones exteriores de los gobiernos locales”, en Diplomacia local. Las relaciones internacionales de las entidades federativas mexicanas, coords. Consuelo Dávila, Jorge Alberto Schiavon Uriegas y Rafael Velázquez Flores (México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2008): p. 57.
8. Centro Urbano, La diplomacia local como herramienta de desarrollo territorial – Sesión 2, (2021). Recuperado el 23 de marzo de 2021. Recuperado de:https://centrourbano.com/2021/02/06/iplomacia-local-herramienta-desarrollo/
9. Ángel E. Rivero Palomo, “La diplomacia local del Estado de Quintana Roo”, en La diplomacia municipal fronteriza y costera en México, coord. Manuel Martínez Justo (México: Universidad Nacional Autónoma de México, Facultad de Estudios Superiores Acatlán, 2016): p. 268.
10. Rafael Velázquez Flores y Jorge Alberto Schiavon Uriegas, Op. Cit., pp. 31-32.
11. Manuel Martínez Justo, Origen, evolución y características de la acción internacional de los gobiernos locales en México (México: Universidad Nacional Autónoma de México, Facultad de Estudios Superiores Acatlán, 2018): p. 197.
12. Rafael Velázquez Flores y Jorge Alberto Schiavon Uriegas, Op. Cit., p. 32.
13. Ídem.
14. Manuel Martínez Justo, Op. Cit., p. 199.
15. Rafael Velázquez y Jorge Alberto Schiavon Uriegas, Op. Cit., p. 27
16. Ídem.
17. Jorge Alberto Schiavon Uriegas, “Una década de acción internacional de gobiernos locales mexicanos (2005 - 2015)”. Revista Mexicana de Política Exterior, n. 104 (2015): p. 119
18. Esther Ponce Adame, “La dimensión internacional de los municipios mexicanos: marco teórico normativo y práctica de una realidad”, en Diplomacia local. Las relaciones internacionales de las entidades federativas mexicanas, coords. Consuelo Dávila, Jorge Alberto Schiavon Uriegas y Rafael Velázquez Flores (México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2008): p. 408.
19. Ley sobre la Celebración de Tratados (México: Cámara de Diputados del H. Congreso de la Unión, 1992): artículo 1. Recuperada el 25 de marzo de 2021. Recuperada de: https://aplicaciones.sre.gob.mx/tratados/leytratados.pdf
20. Jorge Alberto Schiavon Uriegas, Op. Cit., p. 122
21. San Cristóbal de las Casas Comunicación Social, Firma Gobierno de San Cristóbal Protocolo de Acuerdo y Amistad con CAP Nord Martinica (Francia), (2021). Recuperado el 25 de marzo de 2021. Recuperado de: https://www.sancristobal.gob.mx/2021/02/10/firma-gobierno-de-san-cristobal-protocolo-de-acuerdo-y-amistad-con-cap-nord-martinica-francia/